domingo, 23 de novembro de 2014

Os Jogos São Vorazes, Mas São Predadores? Ou: Quem Preda Quem, Aqui?

Depois de um longo e tenebroso inverno, eis que voltamos à ativa. Desta vez, espero que permanentemente.

Então "vamo lá"! 

Pra reaquecer os motores (os assuntos mais polêmicos vão ficar pra mais tarde, depois que eu recuperar o ritmo), comento sobre uma declaração da Ancine, para quem a estreia do filme Jogos Vorazes no Brasil foi "predatória". 

Para Manoel Rangel, presidente da agência reguladora, lançamentos predatórios "são os que ocupam muitas telas em poucos complexos". Segundo ele, tais superestreias, "expulsam" outros filmes do circuito, "homogeneizando a oferta e acabando com a diversidade". Ainda de acordo com o presidente da Ancine, "O espectador que encontrar apenas um título em quase 50% das salas desiste. É menos ingresso sendo vendido e redução do hábito do cinema".

Até aí, vá lá, tudo bem. Os problemas começam quando ele propõe como solução estabelecer uma cota de x% das telas para os blockbusters, seguindo o exemplo da França. A medida, a meu ver, é incompatível com um sistema institucional de plenas liberdades individuais e trai um profundo desconhecimento da mais básica das leis econômicas: oferta e demanda.

É irritante essa mania, no Brasil, de que compete ao Estado zelar, cuidar, tutelar o cidadão, como se fôssemos todos crianças ou, pior ainda, deficientes mentais, incapazes de decidirmos, nós mesmos, o queremos para as nossas vida. Não compete! O Estado deveria apenas garantir um tal marco institucional de modo que eu (e você também, caro leitor) pudesse fazer, livremente, minhas próprias escolhas e, eventualmente, de maneira emergencial, assistencial e temporária, auxiliar aqueles cidadãos em situação de grande risco (miséria e desastres naturais, por exemplo). Não cabe ao Estado, através da Ancine, garantir a pluralidade nas salas de cinema. Cabe aos consumidores, se e somente se, assim o desejarem, demandá-la.

Ainda mais hoje, com a profusão de redes sociais e a conexão cada vez mais veloz de pessoas com interesses em comum, a "solução" da Ancine é, além de autoritária, anacrônica. Seria relativamente simples aos frequentadores de cinema se organizarem e pressionarem as salas exibidoras por maior diversidade de filmes se assim fosse a sua vontade. Não precisa vir a Ancine e obrigar as pessoas a fazerem o que não é do seu desejo.

Filmes e salas de cinemas, antes de serem bens culturais essenciais, são produtos e negócios, devendo servir aos seus respectivos donos. E é aí que a Ancine demonstra completo desconhecimento sobre o funcionamento de um mercado (qualquer um), além de ignorar o relógio. Explico:

Como ninguém é (e nem deveria ser) obrigado a comprar um ingresso de cinema ou assistir a determinada película, para que filmes e cinemas possam servir aos seus donos, eles devem, necessariamente e da melhor forma possível, servir os seus consumidores - no caso, o digníssimo espectador - sob pena de o negócio ruir.

Assim, caso as estreias monstruosas estivessem realmente ferindo o melhor interesse do espectador, certamente a venda de ingressos cairia e o hábito de ir ao cinema diminuiria, como bem pontuou o sr. Rangel. Só que, evidentemente, as distribuidoras e multiplexes não ficariam paradas. Procurariam saber as causas da queda na venda de ingressos. De certo, suas pesquisas identificariam (ainda que não imediatamente, provavelmente) o desejo de um maior número de títulos em exibição por parte dos frequentadores, de modo que, nas próximas exibições e nos próximos lançamentos, ajustariam a sua conduta, diminuindo o espaço do filme "predador" em prol da maior variedade.  

"Ah, mas e se os consumidores estiverem satisfeitos, como fica a diversidade e a riqueza cultural do país?". Bem, certamente essas perderiam, o que eu muito lamentaria, mas se a maioria dos frequentadores estão satisfeitos com esse cenário, paciência. Não é porque eu não gosto de uma coisa que eu deva poder (através da interferência do Estado) obrigar as outras pessoas a mudar e fazer o que eu quero.

Desse modo, no caso, se alguém ameaça predar alguém aqui, esse alguém é a Ancine.

ps1. Caso realmente quisesse incentivar o hábito e a cultura cinematográfica e no país, a Ancine deveria pressionar o governo a diminuir ao máximo a regulamentação do setor, de modo que os custos de produção  e distribuição de um filme e de construção e operação de novas salas de cinema pudessem cair,  estimulando a concorrência, maior aliada da diversidade e do espectador.

ps2. Não é com subsídios e cotas que o ps1. será atingido, mas com menos interferência e regras simples, claras e isonômicas para todos.

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