quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Previdência, Adiamento e Desastre

Aviso aos navegantes: ficou quase grande. Vai, ficou médio.

E a reforma da previdência ficará para 2018, se ficar.

Lembro-me que, em comentário em um post de um professor meu no Facebook, disse que se não saísse até o meio do ano, a reforma não sairia mais. Infelizmente, até o momento eu acertei. Comentando na postagem de outro dos meus professores, afirmei que pouco importava o crescimento econômico neste ano e no próximo, que o jogo mesmo começava pra valer era após as eleições, em 2019, e que sem a restruturação da previdência, a incipiente recuperação da nossa economia tenderia a ser perdida e o jumbo Brasil apontaria o bico novamente para baixo. A ver se, infelizmente, vou acertar mais uma vez.

Torço para estar redondamente errado, mas acho muito difícil que alguma coisa saia ano que vem, o que jogará a necessidade da reforma no colo do próximo presidente, que terá de negociar com o congresso, que presumivelmente tentará arrancar mais alguma concessão do próximo mandatário, diluindo ainda mais a reforma, muio especialmente se ele ou ela não for eleito(a) com votação expressiva - e bem, dado o cenário político brasileiro completamente fragmentado, muito provavelmente o eleito, quem quer que venha a ser, porá a faixa presidencial no peito com vantagem bastante estreia.

Se, adicionalmente, a eleição para o congresso refletir a fragmentação e polarização atuais da sociedade brasileira, as negociações ficarão um bom bocado mais difíceis. E se o próximo presidente for um anti-reformista, chegado num populismo, a receita do desastre estará feita.

Disse acima "necessidade da reforma", porque não se enganem, queridos leitores, a remodelação da previdência é questão de necessidade mesmo; não é questão de gosto, é matemática. O Estado brasileiro não cabe dentro do Brasil. 

Há toda aquela lenga lenga, ainda não de todo superada, sobre se há ou não há déficit nas contas da previdência. Quem diz que não, afirma que recursos legalmente destinados à seguridade social são desviados para outras áreas, e que portanto, se forem remetidos à previdência, as contas fecham. É um argumento puramente contábil, que não vale meia banana podre. Querem ver por quê?

Suponhamos que todo dinheiro carimbado com o selo "Seguridade Social" seja enviado à dita cuja. Voilà! Sumiu o déficit na previdência (como num passe de mágica). Problema resolvido? Nada disso, pois eis que de repente, não mais que de repente, surgem diversos filhotes-déficits nas contas da saúde, educação, segurança pública, ciência e tecnologia, infraestrutura e saneamento, etc.

Compreendem? Importa menos saber o pé que qual santo iremos descobrir do que constatar que a manta é, de fato, curta demais para todo mundo. "Como resolver o problema, então?", alguém pode se e me perguntar. 

Uma opção é aumentar o peso dos impostos. Adiantaria? Duvido. Nossa carga tributária é exorbitante; aumentá-la seria apertar o nó ao redor do pescoço do brasileiro, que já mal consegue respirar sendo ela do tamanho que é. Responda sinceramente para si mesmo, que eu vou tentar adivinhar: você dá conta de pagar mais impostos neste país? Lá vai o meu chute: NÃO!

Elevar os impostos deprimiria a atividade econômica; atrapalharia o crescimento - mais do que contribuiria para fechar o rombo fiscal do governo -, prejudicaria a criação de empregos, a recuperação e posterior elevação da renda das pessoas e, dependendo do tamanho desse efeito negativo, a arrecadação total do governo poderia cair ao invés de aumentar como intencionado.

Outra alternativa (aquela que eu defendo) é olhar para os beberrões do gasto público. E adivinha  só quem vem galopando em primeiro lugar? Ela mesma, a previdência social! Vejamos.

De acordo com dados do Tesouro Nacional, no acumulado de 12 meses até outubro de 2017 - ou seja, no intervalo de tempo que vai de novembro-2016 até outubro-2017 (inclusive os dois meses nas extremidades) - o gasto previdenciário¹ brasileiro atingiu a bagatela de 55,4% da receita líquida² do Governo Central³. Sim, mais da metade da arrecadação líquida é destinada ao pagamento de aposentadorias. Ah!, e esses gastos obrigatórios só vão fazer crescer, frise-se.


Não há como o Estado manter suas contas em dia gastando mais da metade do que arrecada com o pagamento de aposentados. Além disso, tanto esse como os outros gastos obrigatórios só irão aumentar. Ou seja, o que já era ruim vai ficar ainda pior! Ademais, analisando aqueles mesmos dados do Tesouro, fica claro que o déficit primário brasileiro deve-se ao saco sem fundo da previdência social.

Entendem, então, por que a reforma da previdência é urgente? Por que, sem ela, o governo não irá conseguir zerar o déficit primário e muito menos voltar a ter superávits? E que sem os superávits nossa dívida irá aumentar explosivamente? Percebem por que a reforma é essencial ao essencial equilíbrio fiscal do Brasil? Por que, enfim, a questão não é política e muito menos de gosto, mas pura Matemática? E também por que não faz nenhum sentido discutir se (contabilmente) há ou não há déficit na previdência? Que é pura conversa mole?

E a coisa piora ao nos lembrarmos que o número de inativos no Brasil irá aumentar INCLUSIVE, O QUE É O GRAVE DA QUESTÃO, COMO PROPORÇÃO DO NÚMERO DE TRABALHADORES, QUE SERÃO OS RESPONSÁVEIS POR SUSTENTÁ-LOS. E dado que dinheiro não nasce em árvore, inevitavelmente ele irá faltar para o governo arcar com as suas demais obrigações. Se resolvermos ignorar a Matemática, garanto, a coisa não terá bom termo.

Se nada for feito, e temo verdadeiramente que nada será, teremos de escolher entre três opções pavorosas: calote na dívida pública, o que leva o país à breca; calote nas aposentadorias, o que também leva o país à breca; ou inflação, bem, o que só para não variar, também leva o país à breca. Cairemos (novamente) no abismo, só nos restará escolher como.

Ainda há tempo de voltar à segurança, mas estamos dançando perigosamente à beira do precipício ao som do samba do brasileiro doido.








ps. Para melhor entender a questão previdenciária e o que foi em caixa alta, acima, recomendo ver o debate sobre a questão previdenciária entre os economistas Denise Gentil e Samuel Pessoa. Chamo atenção para o momento em que Samuel argumenta sobre a nossa taxa de dependência, que é a razão entre o número de inativos de 65 anos ou mais e a população em idade ativa (15-64 anos). Gastamos proporcionalmente em relação ao PIB o mesmo que a Itália possuindo taxa de dependência expressivamente menor. O sistema previdenciário brasileiro é um ponto fora da curva planetária.




¹ Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a famosa aposentadoria do INSS dos trabalhadores da iniciativa privada + LOAS/RMV

² Receita total menos as transferências que o governo federal faz a estados e municípios

³ O Governo Central é composto pelo Tesouro Nacional + Banco Central + Previdência social.  

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